quinta-feira, fevereiro 24, 2005

O rimador

(agadanhado de Carlos Drummond de Andrade)

Lutar com as rimas
é luta mas ri.
Em tanto nos rimos
de mim e de si.
São muitas, eu pouco,
como já vali!
Não me julgo louco:
como o javali.
Mas lúcido tento
marcar nelas tento.

Lutar com as rimas
parece tão bruto.
Parece tristeza
entre tanto luto.
É fluido inimigo
sem sangue nem músculos
e se ri de tudo:
dos haicais minúsculos
ao épico homérico.

Lutar com as rimas
não rima com lutas,
sejam elas virgens
sejam elas putas.
Essas foram fáceis,
dignas de Hollywood.
Se elas fossem fósseis
ou algo mais sólido,
fossem cicatrizes,
fossem cinco atrizes
ou algo mais óbvio,
tanto faz pra vida.

terça-feira, fevereiro 22, 2005

Na casa 23

*
Na casa vinte e três
existem duas jogadoras de xadrez.
Duplo fascínio: branca e negra.

O tabuleiro treme na vez
das brancas: troiana e grega
delicadas destroem os trebelhos,
pupilas faíscam pelos espelhos,
lances velhos, novas combinações,
sangue veloz nas veias, tentações,
cenas estáticas que se sucedem, e então


um golpe tático!
Previsto muito à frente,
um sacrifício calculado:

as negras entregam material
pra ganhar inevitavelmente
no final.

quinta-feira, fevereiro 17, 2005

uma canção faz dez anos

*
SAMBA DA GLÁUCIA

(Furtado/ Goedert/ Grossi/ Prado/ Santana)

Vamos pra casa da Gláucia
É lá que nóis pode beber
Depois de fritchar oitcho ovo
De fome ninguém vai morrer

Vem Magoo
Pardal, Tatiana e Eduardo
Vem Peru
Ivan, Cobaia e Marcos Prado

E o Gunther
Chorando as mágoas do passado
E a Alessandra
Mais coitada que o coitado

Vem Edílson
E vem a Dani
Vem o Edson
E a Fabiane

Sem a Patrícia
Vem o Podrão
Há mais de mil
Comunistas no salão

Vamos pra casa da Gláucia
É lá que nóis pode beber
Depois de fritchar oitcho ovo
De fome ninguém vai morrer

(repete indefinidamente, batucando e bebendo)

domingo, fevereiro 13, 2005

Tom Waits, but eventually goes (quarto e último ato)

*
ONDE EU CAIR MORTO

Meu cérebro dança
Com o coração nos sapatos
Quis engolir o mar
Que agora está de ressaca

Ela me apunhalou pela frente
E já se diverte às minhas costas
Mas qualquer lugar onde eu cair morto
Ali será minha casa, idiotas

Minha vida era cheia de ouro
Mas tudo virou de pernas pro ar
Agora só nuvens passam pelo meu bolso
Chovendo no meu calcanhar

Aprendi a viver só de minhas respostas
Mas qualquer lugar onde eu cair morto
Ali será minha casa, idiotas


Tom Waits

versão brasileira
Ivan Justen Santana
e
Marcos Prado de Oliveira

sábado, fevereiro 12, 2005

TW4U3

*
MAGRELAS QUEBRADAS

Magrelas quebradas
Correntes velhas arrebentadas
Guidões enferrujados
Na garoa da madrugada
Essas coisas deviam ter um orfanato
Um lar do objeto desamparado

Março está lembrando Dezembro
Adeus é a única palavra que estão dizendo
O verão se foi
Mas minha paixão ficará congelada
Como as velhas magrelas quebradas
Na garoa da madrugada

Magrelas quebradas
Não digam nada pros meus pais
Se aquelas cartas de baralho foram dar nos seus pedais
Espalhadas como esqueletos nos quintais
As rodas da frente não rodam sem as detrás

Primaveras voam num lance de dados
E o meu azar sempre cai no ano errado
Porém todas essas coisas que você me dá agora
Mesmo depois de quebradas não serão jogadas fora

O verão se foi
Mas minha paixão ficará congelada
Como as velhas magrelas quebradas
Na garoa da madrugada


Tom Waits

dublagem:
Ivan Justen Santana

sexta-feira, fevereiro 11, 2005

Tom Waits 4 U 2

*
OS BRAÇOS DE RÚBIA
(Ruby´s arms)


Vou deixar pra trás todas as blusas
Que usei quando éramos uma dupla
Levo apenas a bota preta
E a velha e surrada jaqueta
– Digo adeus aos braços de Rúbia

Apesar do meu coração estar se partindo
Atravesso, sutil, suas venezianas
Logo suas pestanas estarão se abrindo
Seu rosto foi lavado pela aurora
E um azul triste toma o quarto nesta hora
Você sonha um abraço, a fronha enruga
Não há nada que eu possa fazer agora
– Digo adeus aos braços de Rúbia

Você ainda achará outro soldado
Juro por Deus que na noite de Natal
Haverá alguém como eu do seu lado
Fico só com um lenço do seu enxoval
E num passo leve que o criado-mudo dubla
Desvio dos seus guizos quebrados
E digo adeus aos braços de Rúbia

Saio da sala à meia-luz pruma manhã escura
Vejo os mendigos que vivem na rua
Mantendo o fogo aceso apesar da chuva
Jesus, o ônibus não chega, a garoa me nubla
Não vou dizer te amo nunca
Nem te ferir com qualquer outra frase dúbia
Não tenho mais nenhuma desculpa
– Digo adeus aos braços de Rúbia


Tom Waits

versão brasileira:
Ivan Justen Santana
e
Marcos Prado de Oliveira

quinta-feira, fevereiro 10, 2005

Tom Waits 4 U

*
ESSA VEIO DO CORAÇÃO

Ao sair tranque a porta
Você é livre, nota?
Enquanto isso bebo outra
Isso é amor ou não?
Nunca me vi dessa forma
Oh baby, essa veio do coração

As silhuetas na parede lembram uma linha férrea
Queria vê-las indo ao avesso do que vão
A lua no céu, uma estação amarela
Oh baby, essa veio do coração

Corro até a esquina numa aposta impossível
Pra atender você no orelhão
Estão desregulados os freios do conversível
Oh baby, essa veio do coração

A larva está escalando o abacateiro
Dando suas costas para o paredão:
Preparo para mim um copo cheio
Oh baby, essa veio do coração

Loiras, ruivas e mulatas
Distribuem marteladas
Esculpindo-me a frio com um formão
Foram apenas apóstrofes mal colocadas
Oh baby, essa veio do coração

Não sei bem, isso são saxofones ou alarmes?
Quando chove a pista escorrega na contramão
Eu te amo mais do que podem dizer essas frases
Oh baby, essa veio do coração


Tom Waits

versão brasileira:
Ivan Justen Santana
e
Marcos Prado de Oliveira

desopilando com versinhos

*
é duro

ter que criar

na escuridão


no futuro

toda clareza

será inexatidão


difícil

a beleza

ser mais

que um clarão


quem tem certeza

engole as respostas

dá as costas às costas

e se perde na multidão


sem sombra de dúvida

só sobrará atingida

a iluminação

segunda-feira, fevereiro 07, 2005

Postagem carnavalesca

Então é carnaval: visto a máscara de prosador e colo aqui um trecho das minhas historinhas verídicofantásticas (podem crer que foi bem assim que aconteceu).


O RATO ERA ELA

Descia a pé a Treze de Maio desde o viaduto, o céu cada vez mais escuro e olha que nem eram três da tarde, parecia quase noite. Mas eu nem pensava nisso. Pelo menos eu não tinha pulado de cima do viaduto dessa vez, era o que eu pensava, tentando me manter ligado pra desviar dos buracos na calçada. Tinha pulado fora era da faculdade, me candidatando a vagau em tempo integral. Eu me sentia mais um rato, nem podendo imaginar que (é estranho mesmo) o rato era ela.

Ela vinha subindo, nossos olhos se encontraram sorrindos. Aéreo, eu mal percebi que a tempestade já ia começando, com aquelas gotas grossas estalando que nem traques. Ela abriu um guarda chuva ridículo, grotesco, cor berrante, numa palavra: estapafúrdio.

Aonde você vai (quo vadis, ela perguntou com todo o seu latim)?

Não sei, eu disse, e ela já se encostou mais em mim a título de não tomar tanta chuva. Aí pronto, num relâmpago já estávamos no maior malho. Comigo é assim, ou pelo menos tem que ser, já que fico todo pateta se a conversa estica e quase sempre perco a oportunidade de agarrar a mulher: mas nunca achei uma que beijasse mal.

Ai, assim você me tira o fôlego...

Quarenta e cinco segundos e eu já cortaria um braço por ela: um pateta, sempre um pateta. A tempestade ia na mesma medida: a sarjeta já era uma torrente, um bueiro começou a jorrar feito uma fonte. Aproveitei o escândalo do clima pra encaixar melhor o corpo dela no meu, começando a ter flashes das três ou quatro vezes que a tinha visto, uma vez agarrada num dos meus melhores amigos. Mas daí eu nem pensava mais em nada, virando ela contra a parede e atacando alucinadamente a criatura.

Aiiii, hmmmmm......................

Vuushhhhhhhh: o guarda-chuva rocambolesco foi pelos ares sem que eu pudesse piscar, mas ela deu um gritinho sensualíssimo (na minha modesta opinião), só que era também um pedido de socorro, e o herói que existe dentro de todo pateta acordou: a reação máxima foi soltar um dos braços e dar um passo pra trás, no que ela aproveitou pra dar dois à frente e fazer menção do terceiro, em busca do guarda-chuva...

AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAIIIII!!!!!!!!!

O grito foi mais ou menos assim, estilo fã enlouquecida cruza com atriz de horror B: do bueiro que jorrava um rato foi EJETADO (sem aviso) num pulo de meio metro junto com o jato de água escura.

Ela (a garota, não a água escura) deu um salto quase equivalente ao do rato, caindo nos meus prontos braços (herói!), eu milagrosamente recuperando o poder de reação e me controlando pra não cair chorando de rir. Calculei que conseguiria carregar a mocinha na subida no máximo por duas quadras, mas daí era só mais uma até o cine Bristol.

Foi lá que retomamos com grande intensidade os trabalhos vencidos do amor.

The end

Como é? Não posso terminar este trecho shakespearizando? Azar...

O quê? Vocês querem saber qual filme estava passando? Bem, o terceiro dos Aliens, que a Ripley (Sigourney Weaver) está de cabeça raspada. Por sinal, duas coincidências aí: o alien que pula de dentro da própria boca era a cara do rato saltitante, e aquela garota uma vez raspou a cabeça feito a Sigourney só porque eu disse que ela ia ficar mais bonita careca. Quem me lê até pensa que sou isso tudo... Mas as devidas e maiores explicações ficam pra depois, que agora eu vou dormir.

quarta-feira, fevereiro 02, 2005

Adorno lírico no verso maltrapilho

*
Há dor no poema que enfeita
Há dor no poeta que aceita
Aquilo que diz e não cala
Há muito não cabe na sala

Partiu para outro mundo
Sem nem dizer a que veio
Saiu dum poço sem fundo
Deixou o copo no meio

Triste não estava – nem parecia
Mas aquele silêncio acho que dizia
Me dite – me dite – eu me ditava
E o rio corria levando a lava


Antonio Thadeu Wojciechowski
Ivan Justen Santana

terça-feira, fevereiro 01, 2005

Diálogo fantástico pós-coito ininterrupto num chat incógnito e abscôndito

*
Nãoseiquemzinha sussura sequiosamente para Nãoseiquemzinho:

Ah, vê se me esquece e me chama de Clementine Kruczinsky...

Nãoseiquemzinho obtempera abatedouramente para Nãoseiquemzinha:

Upa: então dá uma subidinha e me chama de Caidaço Boy...